14/12/2015

o que ia bem
agora era
uma das mãos
bem assente
na perna gorda
de uma puta
doente e
barata em
berlim ocidental
e cravar-lhe
cigarros e vinho

e mentir-lhe
"não estou
apaixonado
por ninguém"

e rir com
toda a angústia
imaginável

e foder
pensando
em pinturas
de pássaros
amarelos

óleo sobre
tela

01/12/2015

cozinha totalmente remodelada

tão nova, ainda, e já um poema inteiro nas calças,
a crescer debaixo da camisola,
uns treze, catorze? tanta vida, tanta música
no espaço ainda demasiado infantil
da cona.
mas já útil e capaz de com a boca apertar
uma piça e dela extrair a meita, a seiva.

28/11/2015

eis o homem que domina

mudaram o governo e afirmam
e esperam
que agora as coisas mudem
que a exacerbada preocupação económica
se converta em preocupação social

mas para tantos de nós
nenhum governo serve
nenhum governo envia a todos
os cidadãos
uma pensão de amor pelo
correio

05/11/2015

é mansa a garça que te come os olhos, as vísceras,
é masculina no testículo
do coração.

31/10/2015

vender víveres

carro de mão, és uma estrela de cinema fluorescente caminhando
no meio do gado caprino, dois homens bem vestidos levam-
-te pela mão, empurram-te, gritam-te impropérios, apalpam-
-te o rabo,
são trezentos euros barra (/) noite,
dizes.
trezentos euros pela epiclese do teu olho do cu,
querida.

26/10/2015

devia querer saber das ambulâncias que passam em frente ao café onde me sento mas a verdade é que para além do ruído que fazem não me interessam não me pesa quem vão buscar ou quem carregam lá dentro em urgência caminhando em direcção à morte

a mim ninguém me vem buscar de urgência e já não me quero preocupar com fingir que o resto me interessa.

22/10/2015

m.

se me ensinasses como falar espanhol
aprendê-lo-ia
como uma criança a quem obrigam a comer
couves-de-bruxelas porque faz bem
ao corpo

e ao teu lado é possível que o espanhol
faça bem à alma embora
no século xxi não caia nada bem
acreditar-se na alma

mesmo que não tivesse nada para te ensinar a ti
(não tenho nada para te ensinar)
para além da ciência urgente e necessária
de se gostar de couves-de-bruxelas

13/10/2015

a água descendo
subindo não

afinal

devias mesmo
ter gritado alguma
coisa

antes de ires
embora.

foda-se.

06/10/2015

stuff my mouth
with nitroglicerine and
push me down a
skyscraper

face first.

03/10/2015

URETRA

fala-lhes do desconforto de se ter um bisturi no
escroto enquanto os médicos te acariciam a testa
e te garantem que vai correr tudo bem;

faz contas de cabeça, tudo é matemática aborrecida,
tudo é calmo e inócuo,
está tudo preparado para ser destruído

em ácido, num grande incêndio.

21/09/2015

could you get my glasses from the nightstand?

my niece tried to grab the kettle as it fell from the stove, she feared loud noises more than anything else and didn't want it to hit the floor with a crash or a bang or whatever sound a kettle does whenever it falls down on the ground. she stood there, quietly, not moving, for five or six hours, her skin burning and melting and aching of the hot metal. she said she felt like a flower made of fire and magma and we all agreed.

she moved into the center of the room, slowly, as the rest of us sat down around her and lit our cigarettes, filled up our glasses with brandy and red wine and this or that type of liqueur. someone said they were too old to consider understanding the thoughts of Camus; she nodded in agreement and whispered "we're too old". by then, blood was dripping from her scalded hands and the cat was lapping it up off of her shoes. the woman beside me said she should probably put the kettle down, and she did just that. at that time, the kettle had cooled down, so she placed it on the table and went into the bathroom to tend to her injuries.

i distinctly remember feeling love waning away, time lapsing, people falling asleep while my niece washed the dishes and smiled at me. then she sat down and poured herself a glass of brandy, the cat jumped onto her lap and started licking her badly burnt left hand. we're too old and Camus is dead, whatever his thoughts were they don't matter much anymore.

03/09/2015

é gravíssimo, agudo,
o problema
do amor;
tê-lo e dá-lo a
quem
já não o quer mais
ter

por não aparecer
ninguém novo
a quem

31/07/2015

Filamento #4

sei onde começa e onde termina um certo charme, uma mentira cinzenta entupida de muito cabelo e cotão e pentelhos sobre o que sou, o que vêem que sou - o que ofereço do que quero que pensem que sou.
no intervalo disso, vou apodrecendo, vou fingindo estar a viver, ouço umas músicas que façam com que consiga ter perdido tudo o que perdi, tudo o que perco sempre.
era urgente que me enfiassem as tripas num liquidificador e as dessem de beber a um recém-nascido. "agora vais ter de crescer e viver com este gajo em ti, contigo, e pode ser que as coisas sejam melhores para os dois."

06/07/2015

iguana

fode-me a boca e no fim mija para dentro da garrafa de água vazia que tens ao lado da cama.
vai de meias à janela fumar um cigarro enquanto vou à cozinha lavar a boca de cuecas e
soutien. lava os dentes. coça os tomates. procura cuecas lavadas em cima da cadeira, no chão,
nas gavetas. dá alpista aos periquitos. liga a televisão, desliga a televisão, suspira.
enceta um pacote de cream cracker e come meia bolacha, bebe um copo de vinho branco,
queixa-te de que querias tinto ou whisky ou pelo menos brandy barato. tudo menos vinho
branco. mas acaba o copo, mete o copo no lava-louça, enche-o de água fria como se isso
enganasse a sujidade (na nossa cabeça engana).
chama o meu nome, pergunta-me se estou a cagar, vou-te dizer que não, "estou no escritório
a ver livros", responde que não preciso de ver livros, sou "o maior exemplo de poesia que já viste
e tocaste", e eu vou fingir que acredito, porque aparentemente a poesia é despejares os
colhões na minha garganta enquanto me agarras uma mama e me puxas o cabelo. eu respondo
"sim" e tu finges que acreditas que não estou a mentir. noto que o tempo demora a arrastar-se e
a levar as mágoas para longe de nós, que no fundo ainda trazemos as dores todas da vida nas
pernas e sobretudo imenso no tórax, nadando no oxigénio e no tabaco com que passamos
os dias.
aquece uma cafeteira, faz café, eu bebo uma chávena contigo, afinal, sou a poesia a mexer-se,
sou estrogénio e tu és testosterona e o periquito na gaiola é nem sei o quê; ambos sobreviveremos
ao periquito, cobardes demais para darmos um tiro nos cornos de uma vez, cobardes demais
para destruirmos a depressão com um prato de açorda de marisco
num restaurante à beira-mar

para reconhecermos que não servimos, que não somos poesia nenhuma, que só vamos
gastando uma vontade, uma tesão, e fingindo que o outro não sabe.

29/06/2015

petanca

caso o que dissesse ainda interessasse, ainda mantivesse algum peso, diria, entre um cigarro rente a queimar a ponta dos dedos e um copo de brandy, na tasca ali de cima, que o amor vale a pena, que ainda alguém devia acreditar nisso. contudo, alguns de nós cumprem o seu propósito de profetizar a loucura que mais ninguém aceita e ficam para trás, guardados como memórias e roupa em armários numa cave igual às dos filmes americanos, tudo demasiado sépia e antigo, antiquado, ilógico. este é um tempo para ideais sociais de igualdade e de intelectualidade, um tempo de extremos, este é um tempo muito violento de certezas mas também da lassidão e angústia da morte da alma, do extermínio, do suicídio da alma. caso aqueles que, como eu, tocam no fundo da alma, da sua própria alma, ainda fizessem sentido, poderia dizer "acreditem no amor a sério", mas não há almas onde isso caia e assente e permaneça, o que há é vento e um deus magnético a morder desde o ramo da ciência exacta até ao que era a língua da filosofia e entretanto não serve, mitologias velhas, roupas velhas, memórias velhas, brincadeiras de miúdos que não sabem a sério o que é isto de viver, de ter de viver. o amor não pressupõe a sobrevivência

a solidão não pressupõe

alguns de nós não sabem lidar, nunca soubémos, nunca saberemos, dentro dos crânios temos uma plantação doentia de memórias roxas e vermelhas de demasiados eventos e pessoas que deixaram de valer a pena há tantas décadas, alguns de nós vão-se extinguindo dentro da solidão, com o dedo esguio da culpa apontando para os outros, coitados de nós tão incapazes profetizando

a loucura é uma verdade

a solidão não pressupõe saber lidar não pressupõe um patamar onde sozinhos consigamos de todas as vezes resolver o que levaram de nós para longe e não devolvem

23/06/2015

tenho mijado tanto
pelas pernas abaixo
café e vinho e brandy
tudo misturado
no mijo
para dentro de garrafas
de água
vazias

ou para o chão

porque é preciso mijar
é preciso dormir
descansar
morrer

mas antes de morrer
despejar a bexiga

11/06/2015

sempre senti
na verdade
que a palavra
pai
é poeticamente
bastante mais
útil e bonita
que a palavra
mãe

15/05/2015

Reiteração

seja lá o que for que tomei para dormir
não funciona. e devia.

11/05/2015

Monster House

a um nível talvez

eventualmente

fonético, ou de um tipo qualquer de
pragmatismo semântico instintivo,

também eu confundiria

úvula com
vulva.

01/05/2015

perdão

não fui a pessoa que no jantar a dividir por todos pediu
arroz de gambas e obrigou todos os que comeram
bitoque
a pagar por aquilo que não comeram

não fui o que não partilhou
não fui o que rejeitou um cigarro no fim
à saída do restaurante

mas pago por todos quando alguém pede um arroz
de gambas metafórico na vida.

30/04/2015

não seleccionarei localização
não tomarei pequeno-almoço
não irei passear o cão ao parque
nem darei título ao que não deve
ter título. amanhã falamos porque
nunca se morre de nada e calcula-se
sempre que amanhã ainda possamos
resolver o que quer que seja.

mesmo que.

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a noite abre-se como se fosse uma coisa que se abre embora não seja; temos os cornos a explodir de brufen e outras merdas, não conseguimos pensar, sentimos falta dos vizinhos que faziam muitos fritos e grelhados em casa, faziam muito barulho, comiam muito barulho, nunca ninguém chamou a polícia; "era tudo muito pacato, percebe?" - e talvez fosse, às tantas era tudo muito pacato; os amigos foram todos morrendo uns mais literalmente do que outros e, foda-se, dói tanto usar a porra desta imagem, "os amigos foram todos morrendo", assim, os amigos morrendo, mas é tão verdade. talvez não devesse escrever a verdade - seja lá o que isso for, dir-me-ão -, portanto, digo: estou rodeado de amigos imortais que nunca morreram, nunca partiram, nunca precisei de brufen, de panadol, nunca falei como se fosse vários, nunca falei como se fosse uma mulher, nunca achei que era tudo mais fácil se fosse mulher, se fosse pelo menos outro noutro sítio onde a minha vida fizesse mais sentido - é aqui que a minha vida faz sentido.

que brutalidade imensa a vida não fazer tantas vezes sentido, os vizinhos ao menos ouvindo música muito alto nunca morreram, ainda me lembro deles enquanto o meu amigo noutro quarto ouvia música muito alto e misturava-se tudo e eu precisava de panadol e essas merdas e ocasionalmente fora do prazo ou só a impressão de ter procurado o panadol ou essas merdas e de ter tomado com um copo de água muito embora tantas vezes nem um copo de água, só ar e saudades e a tristeza de rebolar num colchão rente ao soalho sozinho

sempre sozinho como uma flor que morreu há dez anos

25/03/2015

neo-romântico

rente ao quartel onde os paneleiros ao entardecer e à noite,
onde a luz converge numa decadência,
é dinheiro para comer, nada mais, tenho em casa mulher
e dois putos e preciso de lhes pôr comida na mesa,
assim, sem mais contextos, sem mais gramáticas,
sem mais histórias e sem biografias, os paneleiros só
esfínceteres, só bocas, só piças, só dentes, só
bochechas
cuspindo esporra
nas ervas rente ao quartel quando ao entardecer
os pássaros quietos nas árvores mal aparadas

só uns trocos para o pão e para o peixe, mais nada,
não pense que há intimidade ou amor contra a parede,
rente à parede do quartel suspirando, chorando,
abraçando oferecendo o olho do cu por umas notas 

27/02/2015

das utilidades

domingo à tarde é para ver séries
de televisão dos anos oitenta que só
chegaram cá nos anos noventa sentados
numa cama abaulada e rija com um
cristo à cabeceira a assustar a infância
de dentes escancarados durante o zénite
da sua paixão

a comer bolos moles fingindo que o açúcar
disfarça o mofo a humidade na massa
com a certeza de que os napperons só
servem o propósito de atrair juntar e guardar
pó e folhas secas vindas não se sabe de onde
em cima das cómodas nas casas das velhas
onde se vai por frete aos domingos
sem saber que anos mais tarde vão ser um par de pés salientes na renda
da orla de um caixote de madeira
para se enterrar pessoas que se tornaram
uma espécie de napperon.