17/12/2016

16/05/2016

não tenho dinheiro para ir para Madrid
foder
viver um bocado
com alguém que
fique
pelo menos um mês
ou um ano
ou uma vida
inteira
comigo.

01/05/2016

1+1=1

vai aparecer alguém. tem de aparecer alguém.
a minha vida há-de ir ao encontro de alguém
que aparece e me descobre o rosto. e um amor
também coberto de terra e cinza. que valha a
pena a respiração a diletância o arrasto existencial.

26/04/2016

enganar a fome com shampoo dos piolhos,
fingir uma aspereza existencial como se
alguém substituisse quem quer que tenha
vindo antes,
ridículos,
os mais ridículos de nós a acreditar
imenso
que só isso é que importa para não
darmos por nós a fazer o resto.
um emprego um carro coisas assim.

14/04/2016

what on earth is a straggler, honey? i keep hearing
this instrumental track by electrelane called "blue
straggler", but i still don't know what a straggler
is...
A straggler is a boat.
A straggler is a woman.

02/04/2016

necrosis

many the echoes floating among
flamingos and rotten flowers serve

this purpose of purple and gold and
heavy breathing.

30/03/2016

17/III

de todas as certezas que tinha, a maior, a mais insistente, era a de que não conseguia estar sozinho. nunca tinha conseguido estar sozinho, o que era tinha sido sempre o que os outros lhe devolviam, o que via, de si, nos outros. hoje, já não tinha esse espelho, estava só, com a angústia de quem sabe que não aguenta estar sozinho.
pensou nos amigos do liceu e nos amigos da universidade e até nos amigos do ciclo preparatório, o que tinha acontecido a todos eles mas, sobretudo, que teria feito, de tão errado, para que todos tivessem desaparecido. nada, concluiu, não se lembrava de alguma vez se ter chateado tanto com algum, que justificasse este comportamento. depois ocorreu-lhe uma dessas frases feitas "é mesmo assim que a vida é", mas isso não o acalmou nada.
a verdade é que a vida não é nada e não tem de ser nada e, no fundo de si, ia continuar sempre a sentir-se errado de estar sozinho, nenhuma frase feita, nenhum conceito alheio que não aprendesse e tomasse como seu ia poder alterar isso.
portanto, pediu um copo de vinho tinto e enrolou um cigarro, sabendo que as coisas ficam iguais, inexoravelmente.

28/03/2016

alguém que escute a porta que se
fecha.

alguém que abra uma janela mas
nunca nós nunca eu

alguém. outro.

não sou capaz de ir às leituras integrais
de livros porque já não sei como sair de casa

nem sei como viver nem sei como
dizer isto: miosótis.

nas caves sujas dos bares às escuras
homens mulheres e tudo o que
existe
no meio fazem leituras integrais de
livros
eu já não consigo ir eu já
não consigo
respirar

uma noite fecha-se toda sobre o
corpo: esta é a minha casa não
sei onde é a minha casa.

26/03/2016

serei padrasto de alguém
um dia.
quero ser padrasto de alguém
a rir nos cafés

"o meu padrasto fuma
tabaco de enrolar"

16/03/2016

um dia a menos

estou quase a acabar de ler os contos
da Clarice Lispector, muitos anos depois de
ter comprado o livro e sinto-me cansado de
ler e já não me lembro de quase nada dos
contos que vieram antes do fim.
tenho imensas frases sublinhadas
para fazer citações nas redes sociais
como quem arrota auto-ajuda e põe
«Clarice Lispector»
por baixo.

08/03/2016

tenho batatas ao lume para o almoço
mas com que fome hei-de as comer,
mais as couves e o bacalhau e a
solidão?

25/02/2016

o olho do cu, meu amor, o olho do cu
aberto ou fechado não
vê rigorosamente nada, vê escuro mas não
sente sequer que vê, não
tem a terminação biológica para ver; está
cego mesmo quando lhe
roço com a ponta dos dedos e lhe enfio
um lá para dentro até
à falange.
(já te disse hoje que te amo?)

22/02/2016

março

a poesia
é para gente
doida da
cabeça que
ainda quer
à força
acreditar
em toda
a merda

própria
de crianças

os adultos
escrevem
prosa
pelo menos
para não
estragar
papel e
desperdiçar

espaço.

20/02/2016

maria

gosto do teu casaco
branco
conforme passas
e das tuas
nádegas
abaixo
sem pedir
desculpa

espero que
no mínimo
dezasseis anos
quando o mais
certo sejam
14

(e catorze
dói
muito na
ilegalidade

porque te
fornicaria
na mesma)

14/02/2016

traz pão quando fores à cidade
traz pão ainda quente num saco de pano
e vem por onde não te cortes nas folhas
das canas
por onde não encontres cães

mas só se te lembrares
não há pressa nem fome
agora
se não te for incómodo
traz pão
e manteiga também
para o lanche

quando fores à cidade e fugires
pelos caminhos onde há cães e
onde encontras pessoas que magoam
mais que os dentes dos cães
traz pão para o lanche

e não persigas as pessoas até à
porta de casa
não lhes toques à campaínha
não lhes telefones
às três da manhã

traz só pão.

11/02/2016

foto de cara

jogo de cartas no atraso do autocarro, na lentidão dos dias, na
falta de companhia das mesas do café, nenhuma mulher com mãos
que apeteça morder.
cagar fora de casa sem vergonha é por vezes o maior sinal
que soçobra daquilo que em tempos foi a nossa identidade.

29/01/2016

não posso pedir para ser mais
importante que aqueles que
morrem, que levam consigo
toda a gente nos funerais e me
deixam aqui sozinho com a angústia
e a solidão e a saudade e o
despropósito de todos os dias.
ainda estou vivo mas por uma
questão cada vez mais apenas
biológica.

vem buscar-me agora
que os meus dedos fedem
a tabaco e não sei
o que fazer com a idade
que me foi caindo em cima

25/01/2016

j

espera-me em ur da caldeia onde não chegue
a precipitação, não te esqueças de trazer
duas mudas de roupa, um saco-cama, uma almofada
de penas e uma porção de canetas.

não te esqueças de levar papel e flores e
bolachas para o lanche. espera-me onde
vendem os jornais, por baixo do dentista,
eu levo uma máquina de barbear e aftershave. eu
levo as mãos. lavo as mãos. como com
às mãos
enquanto não comprarmos talheres de
plástico.