meu amor
as noites
não nos
vestem os
olhos de
azul.
16/05/2016
01/05/2016
1+1=1
a minha vida há-de ir ao encontro de alguém
que aparece e me descobre o rosto. e um amor
também coberto de terra e cinza. que valha a
pena a respiração a diletância o arrasto existencial.
26/04/2016
14/04/2016
02/04/2016
necrosis
many the echoes floating among
flamingos and rotten flowers serve
this purpose of purple and gold and
heavy breathing.
30/03/2016
17/III
de todas as certezas que tinha, a maior, a mais insistente, era a de que não conseguia estar sozinho. nunca tinha conseguido estar sozinho, o que era tinha sido sempre o que os outros lhe devolviam, o que via, de si, nos outros. hoje, já não tinha esse espelho, estava só, com a angústia de quem sabe que não aguenta estar sozinho.
pensou nos amigos do liceu e nos amigos da universidade e até nos amigos do ciclo preparatório, o que tinha acontecido a todos eles mas, sobretudo, que teria feito, de tão errado, para que todos tivessem desaparecido. nada, concluiu, não se lembrava de alguma vez se ter chateado tanto com algum, que justificasse este comportamento. depois ocorreu-lhe uma dessas frases feitas "é mesmo assim que a vida é", mas isso não o acalmou nada.
a verdade é que a vida não é nada e não tem de ser nada e, no fundo de si, ia continuar sempre a sentir-se errado de estar sozinho, nenhuma frase feita, nenhum conceito alheio que não aprendesse e tomasse como seu ia poder alterar isso.
portanto, pediu um copo de vinho tinto e enrolou um cigarro, sabendo que as coisas ficam iguais, inexoravelmente.
28/03/2016
não sou capaz de ir às leituras integrais
de livros porque já não sei como sair de casa
nem sei como viver nem sei como
dizer isto: miosótis.
nas caves sujas dos bares às escuras
homens mulheres e tudo o que
existe
no meio fazem leituras integrais de
livros
eu já não consigo ir eu já
não consigo
respirar
uma noite fecha-se toda sobre o
corpo: esta é a minha casa não
sei onde é a minha casa.
26/03/2016
16/03/2016
um dia a menos
estou quase a acabar de ler os contos
da Clarice Lispector, muitos anos depois de
ter comprado o livro e sinto-me cansado de
ler e já não me lembro de quase nada dos
contos que vieram antes do fim.
tenho imensas frases sublinhadas
para fazer citações nas redes sociais
como quem arrota auto-ajuda e põe
«Clarice Lispector»
por baixo.
08/03/2016
25/02/2016
22/02/2016
março
a poesia
é para gente
doida da
cabeça que
ainda quer
à força
acreditar
em toda
a merda
própria
de crianças
os adultos
escrevem
prosa
pelo menos
para não
estragar
papel e
desperdiçar
espaço.
20/02/2016
maria
branco
conforme passas
e das tuas
nádegas
abaixo
sem pedir
desculpa
espero que
no mínimo
dezasseis anos
quando o mais
certo sejam
14
(e catorze
dói
muito na
ilegalidade
porque te
fornicaria
na mesma)
14/02/2016
traz pão ainda quente num saco de pano
e vem por onde não te cortes nas folhas
das canas
por onde não encontres cães
mas só se te lembrares
não há pressa nem fome
agora
se não te for incómodo
traz pão
e manteiga também
para o lanche
quando fores à cidade e fugires
pelos caminhos onde há cães e
onde encontras pessoas que magoam
mais que os dentes dos cães
traz pão para o lanche
e não persigas as pessoas até à
porta de casa
não lhes toques à campaínha
não lhes telefones
às três da manhã
traz só pão.
11/02/2016
foto de cara
jogo de cartas no atraso do autocarro, na lentidão dos dias, na
falta de companhia das mesas do café, nenhuma mulher com mãos
que apeteça morder.
cagar fora de casa sem vergonha é por vezes o maior sinal
que soçobra daquilo que em tempos foi a nossa identidade.
29/01/2016
25/01/2016
j
espera-me em ur da caldeia onde não chegue
a precipitação, não te esqueças de trazer
duas mudas de roupa, um saco-cama, uma almofada
de penas e uma porção de canetas.
não te esqueças de levar papel e flores e
bolachas para o lanche. espera-me onde
vendem os jornais, por baixo do dentista,
eu levo uma máquina de barbear e aftershave. eu
levo as mãos. lavo as mãos. como com
às mãos
enquanto não comprarmos talheres de
plástico.