de todas as certezas que tinha, a maior, a mais insistente, era a de que não conseguia estar sozinho. nunca tinha conseguido estar sozinho, o que era tinha sido sempre o que os outros lhe devolviam, o que via, de si, nos outros. hoje, já não tinha esse espelho, estava só, com a angústia de quem sabe que não aguenta estar sozinho.
pensou nos amigos do liceu e nos amigos da universidade e até nos amigos do ciclo preparatório, o que tinha acontecido a todos eles mas, sobretudo, que teria feito, de tão errado, para que todos tivessem desaparecido. nada, concluiu, não se lembrava de alguma vez se ter chateado tanto com algum, que justificasse este comportamento. depois ocorreu-lhe uma dessas frases feitas "é mesmo assim que a vida é", mas isso não o acalmou nada.
a verdade é que a vida não é nada e não tem de ser nada e, no fundo de si, ia continuar sempre a sentir-se errado de estar sozinho, nenhuma frase feita, nenhum conceito alheio que não aprendesse e tomasse como seu ia poder alterar isso.
portanto, pediu um copo de vinho tinto e enrolou um cigarro, sabendo que as coisas ficam iguais, inexoravelmente.
30/03/2016
17/III
28/03/2016
não sou capaz de ir às leituras integrais
de livros porque já não sei como sair de casa
nem sei como viver nem sei como
dizer isto: miosótis.
nas caves sujas dos bares às escuras
homens mulheres e tudo o que
existe
no meio fazem leituras integrais de
livros
eu já não consigo ir eu já
não consigo
respirar
uma noite fecha-se toda sobre o
corpo: esta é a minha casa não
sei onde é a minha casa.
26/03/2016
16/03/2016
um dia a menos
estou quase a acabar de ler os contos
da Clarice Lispector, muitos anos depois de
ter comprado o livro e sinto-me cansado de
ler e já não me lembro de quase nada dos
contos que vieram antes do fim.
tenho imensas frases sublinhadas
para fazer citações nas redes sociais
como quem arrota auto-ajuda e põe
«Clarice Lispector»
por baixo.
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