15/04/2013

III

(estou presa neste déjà vu, em que apareces, enquanto choro, enquanto escrevo e lamento as unhas, a sujidade das unhas. o amor que não parou por nenhum dos homens da minha vida e, portanto, por ti, também. mas tu não chegas. a sensação não pára mas tu nunca chegas, partiste, não gostavas mais das minhas unhas, das minhas lágrimas, não podias mais aceitar o meu amor. é provável que já não conseguisses fazer amor comigo. foder-me.
estou presa aqui dentro, apareci aqui dentro, esta é a roupa que me serve - é possível, aliás, que alguns tenham esta tarefa, para que os outros não precisem de a ter. quando acordei estava assim vestida, tinha os meus pais e os meus familiares muito distantes, todos, longe, numa sala mal iluminada, a comer carne com a boca cheia de ar e de música esquisita, falavam de mim, falavam em conhecer-me. eu tocava no sexo, na cona, magoava-me de coisas quentes - é mais fácil escrever "coisas" -, eles queriam conhecer-me, falavam de mim com um jarro de flores no meio da mesa. eram muitos e o meu amor sempre ligado, alguns de nós são assim, morremos de dor e nada nos chega - tu não chegas no meio do déjà vu em que "sei" que chegas, neste intervalo das unhas que odeio, vejo-as enquanto escrevo e não as desejo conhecer melhor. arranhavam-me o sexo, a cona, no meio da água que deitava, doía-me, doem-me as unhas contra a carne mole, dói-me o prazer, tu longe, todos longe, os meus pais, os meus avós, os fantasmas de boca aberta atrás de todos eles, numa sala com uma mesa e um jarro de flores ao centro - falam para as flores, contam histórias sobre mim, sobre a minha cabeça.
estou presa, esta é a minha roupa, gostava que os teus braços me resgatassem, gostava de tantas coisas, toda a gente gostava, uns conformam-se, a maioria conforma-se.
consigo ouvir-te, sei todas as coisas que me dirias, todas me magoam, todas são unhas sujas, música esquisita, tu falas por todos, na tua não-voz a não-voz de todos, o amor esquecido de todos, no teu.
"onde me amas? em nunca."
estou presa neste fandango cansativo, homenzinhos imbecis nos meus sonhos, não dizem nada que interesse.
quero abrir o meu corpo para sempre, tomar conta de todos os homens que continuo a amar, essa é a minha forma estranha, a minha música esquisita, a maneira herbívora de tomar também conta de mim.
estou aqui presa e este é o fim do texto. nunca chegaste a chegar e as minhas unhas enojam-me imenso.
hei-de ser uma flor aberta. perene.)

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