27/12/2012

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eu era um projecto inacabado no pretérito imperfeito
e desenhavam-me com giz branco em folhas azuis.

20/12/2012

21:05:55

andei o que o oxigénio nos pulmões me permitiu
andar, quinze (15) quilómetros, com a pulseira
fluorescente do hospital no pulso direito, a gritar
"Caso de urgência: 12230654, HCIS: 862101"
com uma dor horrível no ouvido esquerdo, na
veia ou na artéria do pescoço desse mesmo
lado. "estás todo apanhadinho do lado esquerdo,
homem!" estou todo apanhadinho do lado esquerdo,
homem. anêr, andrós (falta-me a grafia em grego).
homem, a quem me dirijo, destinatário e receptor
de uma mensagem, que é esta: andei quinze quilómetros (km).

11/12/2012

micro cosmos

que as mãos, a ponta
dos dedos, antes de
mais, nunca te cheirem
a mijo, a coisas
biomecânicas secas.

molusco

citar músicas, livros, filmes. livros. citar muita poesia e fazê-lo a nosso favor, sempre: "este indivíduo sabe tão bem o que quero dizer! o que quero dizer - o que sinto - é exactamente isto."
e é ao contrário. é fácil sentir isto porque se lê algures (porque se vê algures, porque se ouve algures) que "isto". e quando "isto", então, vive-se isto.
se alguém nos cobre de asas de borboletas mortas, é como se um silêncio porque incomoda e quando se cria uma imagem (imagine-se "cobrem-nos de asas de borboletas mortas") é geralmente para incomodar.
estamos sozinhos no mundo, ninguém quer saber, ninguém se importa. mais vale mesmo fingir que somos arte e que estamos, de alguma forma, em comunhão com qualquer coisa.

26/11/2012

composição

O Real Madrid está a dar na televisão. O
José Mourinho falou na televisão, porque é o trei-
nador do Real Madrid.
Para muita gente, isto é um poema, porque os
poemas cada vez mais se assemelham a compo-
sições de escola primária.
Expressões escritas.

22/11/2012

projecto para uma esquizofrenia menor

espero mesmo que chegues. anseio por que chegues. não planeio nada para depois, fico só contente com que chegues e fiques, os dias, esta coisa onde estou metido, são cada dia mais iguais, repetem-se, cometemos os mesmos erros vezes sem conta e já só contamos com desculpas, com perdões, porque, no fim, é só isso que temos. a seguir aos problemas é só isso que temos, o pânico da solidão, de ter de ficar a olhar, quietos, para um espelho de passado, onde as nossas mãos se tocaram e onde as nossas bocas quase se sugaram em desespero, sem causa. e isso é o fim do mundo, é a coisa mais parecida com o fim do mundo, logo, façamos com que o seja. os dias são todos iguais, é cansativo, mas ao menos podemos sofrer um pelo outro, podemos considerar que tudo vai desabar, que, se um de nós se for embora, o outro não tem mais razões de ser. preciso que chegues, que me digas "estou a ir ter contigo", de saber que já só falta meia-hora, cinco minutos, um suspiro de aves que morrem ou outra medida de tempo que nos apetecer criar. ao menos chega, ao menos aparece e não te apaixones por outra pessoa, porque vais ser o meu fim do mundo e isso não me interessa mudar.

14/11/2012

o que é normal é chorar

faz sentido falar de cultura e de literatura hoje?

há uns idiotas que vão julgando que sim. provavelmente, não. mas como somos uns idiotas que vão sabendo o significado quase "clássico" da palavra, manter-nos-emos idiotas. um idiota só o é aos olhos dos outros. e os outros estão sempre cegos perante o que é um idiota e que verdade encerra.

31/10/2012

21 pageviews

Fugia à polícia e foi só por isso que não deixei que baixasses a cabeça e me abrisses a braguilha e me envolvesses a piça na boca, me lambesses o narço ao volante. A polícia tem este hábito estranho de importunar as vontades, mas a verdade é que tenho um farol de trás fundido e não me convinha ser multado. Desculpa-me ter evitado um broche enquanto conduzia, garanto-te que não foi por mal, nem sequer teve nada a ver com experiências anteriores que tivessem corrido mal. Aliás: não falemos de experiências anteriores, dos dentes alheios, que não eram os teus, e que em torno do caralho me magoavam, me arranhavam. Não falemos disso, que me incomoda, ainda que a ti não.
A polícia não nos apanhou nessa noite e a única coisa em que pensava era na grafia da palavra "piça", na minha cabeça fazia de repente mais sentido escrever "pissa", "mete-me a pissa na boca e geme", mas, de qualquer forma, já era tarde, houve outros dentes, antes, que me incomodam e maceram mais a mim do que a ti, e desinteressei-me, confesso, um pouco da actividade onanista de receber sexo oral.
Um destes dias deixo-te capares-me com os dentes, deixo-te fugir a mastigar-me a pissa, a piça, fico a contorcer-me no banco do carro, a morrer não tão devagar porque o sangue pelos bancos, pelo chão, a empapar aqueles tapetes próprios do chão dos carros, junto aos pedais europeus (acelerador, travão, embraiagem), deixo-te cuspir a pissa para dentro de um aquário, para que os peixes a comam, porque lá fora a sociedade e a noite, mas aqui, entre nós, só uma vida tão normal e ridícula, desprovida de beleza, na qual nem sequer te deixei chupares-me o caralho enquanto conduzia.

23/10/2012

alinhamentos cósmicos e outras trivialidades

Quando era pequeno, o meu pai batia-me com vergastas no cocuruto, dizia que há meninos a morrer à fome em países longínquos, obrigava-me a comer a carne e o arroz, mesmo que me custasse, mesmo que estivesse há mais de meia-hora a mastigar a carne e aquilo estivesse tão mal passado e tão mole, que já só sentia saliva e sabor a coisa nenhuma rente à língua e aos dentes, mesmo que fosse juntando arroz e conseguisse engolir a pasta de arroz, primeiro, e a carne triturada continuasse ali, a dar-me vontade de vomitar, mesmo que bebesse água só para sentir pedaços de carne solta a boiar dentro da boca. Os meninos morriam à fome longe de mim e eu pensava em mandar-lhes o meu bolo alimentar, mas pensar isso era injusto e infantil. Era o que me apetecia, ser injusto e infantil, com os olhos cheios de água, com a boca cheia de água, a carne mal triturada a boiar na água, dentro da boca, distrair-me com os cortinados (no verão, umas coisas de renda com peixes, no inverno, cortinas pesadas com patos amarelos e laranja), distrair-me com a rádio, para não ligar às porradas no cocuruto, que magoavam e me davam vontade de vomitar. Nunca pensei "o meu pai é uma besta", pensava sempre "os meninos da minha idade estão a morrer à fome em África, na Ásia, na América do Sul", sem nunca saber muito bem onde era a África, a Ásia, a América do Sul, a imaginar de forma nítida os meninos da minha idade, de barrigas inchadas, a berrar, enquanto eu, dentro de um vidro inquebrável, vomitava a carne mal triturada e me ria nas suas caras, sem me aperceber, quando a minha vontade era cuspir a comida para as mãos e oferecê-la a todas as crianças da minha idade que morriam de fome.

19/10/2012

Real Companhia de Tabacos e Outras Drogas

urge lavar as mãos, pois quando as coloco cerca da boca e, por consequência de proximidade, do nariz, intoxica-me e desagrada-me o excessivo odor a tabaco seco e velho. por vezes é necessária uma certa dose de higiene, ainda que pequena.

17/10/2012

a mim irritam-me pessoas hipocondríacas

«a maior onda jamais surfada foi cá em Portugal, na bonita praia da Nazaré.»
«na pitoresca praia da Nazaré, Costa de Prata deste nosso Portugal, surfou-se a maior onda de que há registo.»

(a poesia parece inútil para toda a gente, menos para mim. mas a maior onda surfada, de que há registo, interessa a um grande número de pessoas e, a mim, não. por isso, estamos quites.)

é urgente que componhamos uma palavra nossa

o meu pé direito está pronto a cair dentro de dois ou três dias, de doença, de nervos, de gangrena gasosa. o meu pé direito nunca mais se desprende e, de um dos lados, continua dormente. pergunto-me se algum dia irá passar. mais valia que caísse de uma vez por todas.