16/05/2014

o Mário de Sá-Carneiro era um conas

Qual a melhor hora do dia para me ir masturbar
na casa de banho do café, em pé, para dentro do
urinol, a pensar nas pernas da rapariga sentada no
banco de jardim, lamentavelmente menor de idade
(e eu a ser tão porco, tão ruim)?
Não consigo pôr-me a estimar a solidão, se a
vejo só a matar-me a beleza das coisas, redu-
zir tudo às construções de estrogénio mais
esteticamente apetecíveis, nos dias de trovoada,
em Abril. Com a piça latejante nas calças, tão
porco, tão rude, tão feio, "não é assim que
se faz, tens de ser um homenzinho" só que
na decomposição do tempo sem amor nem
poesia não consigo.
Mas bebo ainda leite de manhã.

poesis

1938 um ano como outro qualquer, uma preocupação intestinal
como outra qualquer, no mês de fevereiro, de manhã,
logo, dia 13, às 9:53, o desconforto pouco musical
de uma ligeira desinteria, o suor frio, "estou de
caganeira!", para os outros, isto é, na voz física a
sair da boca, "estou de diarreia, caramba!", caganeira
é tão forte, tão bruto, tão assustador, assim de
caras, tão directo ao assunto, cagar a toda a
velocidade com dores nas entranhas, expelir as
fezes liquefeitas, líquenes, musgo dos intestinos, o
cu a não ter sido construído para isso, para
esse tipo de velocidade aquática, ele aguenta mas
constata-se imediatamente não ser essa a sua função
usual. e ter cuidado com as fissuras anais em
1938, a 13 de fevereiro, limpar bem o cu no fim
da caganeira, que horror!, lavá-lo com aguinha morna
e sabonete, aplicar o bálsamo de um pó-de-talco.

07/05/2014

roxos de falta de ar

trago-te a minha obsessão musical e meio doente, a
mesma obessão que nunca ninguém quer, vou-te
dizer que lhe devemos chamar "amor", trago-te
a minha doença de árvores, dou-te um fruto de
vinhas onde na minha alma toquem as lembranças
dos teus cabelos. quero plantar um barco no teu peito.

05/05/2014

Elas iam na direcção da residencial onde tinha
morrido o cantor romântico, há cerca de dez
anos. O tempo é uma invenção que dá jeito,
mas não deixa de ser tão ridículo, tão absurdo,
por vezes. Estou como que em mil novecentos
e quarenta e cinco, a ver estas mulheres indo
na direcção da residencial, daqui a muitos anos
o cantor romântico vai morrer num quarto,
de ataque cardíaco ou acidente vascular
cerebral (trombose). Dois homens trocam botões
de casacos como se fosse dinheiro. Chove.
Não tenho paciência para poemas compridos.

rimance

a única coisa que tatuaria eram versos de poetas mortos, e seria porque os poetas que importam estão, de facto, todos mortos.

(queres falar disto aqui?
quero.)

não quero tatuagens nas costas, quero frases no peito, quero tirar a roupa e dizer com o peito aquilo que não sei dizer com a boca, «I hated you when it would have taken less courage to love», mostrar às pessoas a quem mostro o peito, a quem exibo a vergonha de ter chegado aos trinta anos e este ser o meu peito, por mais que não o tivesse desejado assim, o meu corpo já tão longe de ter sido o meu corpo, nada de poético ou bonito para se dizer acerca dele, um corpo de um homem com um degrau de idade e a falta de cuidados, o tabaco, o álcool. é no peito que devem estar as palavras que os poetas mortos disseram, para que eu não precise de as dizer, «if you have the ability to love, love yourself first», «love is more thicker than forget». e não quero fontes tipográficas exageradas e desenhadas, quero que o meu peito seja um livro, quero letras iguais às das máquinas de escrever como a do meu bisavô, como a que tive, em criança, e não usei tanto quanto devia. quero uma mulher que entenda que o meu corpo é um livro ou pelo menos um parágrafo, que eu sou um contexto dentro do meu corpo, uma mensagem no veículo de pele e ossos e carne e mau colesterol do meu corpo. uma mulher que toque nas palavras dos poetas mortos e as saiba, «Though lovers be lost love shall not; And death shall have no dominion.»

a única coisa que interessa perguntar sem voz, com a tinta na pele ao jeito de papel, é «Quels bons bras, quelle belle heure me rendront cette région d'où viennent mes sommeils et mes moindres mouvements?» e esperar que alguém possa responder oferecendo os seus.

03/05/2014

cantos da boca

por onde e como mijam as jibóias? na infância julgávamo-las
erradamente venenosas, mas venenosas são as cascavéis e
as cobras-capelo. não nos ensinavam quais as venenosas porque
aqui nem há dessas serpentes terríveis, que matam homens.
nos pinhais, apenas peles, mangueiras ou câmaras-de-ar em
relação às quais o corpo dos répteis cresceu. os répteis
mijam também, só que de um modo tão disfuncional,
as tartarugas deixam só uma poça de água, umas lágrimas
no chão, o cimento humedecido, podia-se beber aquilo,
é inócuo e provavelmente não tem sabor nenhum. deve
ser assim que mijam as jibóias, nas florestas tropicais,
a urina a cheirar a limo e líquen, mitologicamente
venenosas na imaginação das crianças -- isso, de apertar
as coisas com o corpo, não assusta verdadeiramente, só
o veneno, a gangrena, o imediato tóxico no sangue, a
fazer com que os pulmões morram, que a circulação pare --,
procurando apenas mulheres menstruadas, mordendo-as no
pé, matando-as, acabando com a sua raça, mijando
depois do processo biológico próprio, da função excretora
própria de quem vive, mijando também, só uma poça
de água sem cheiro a sair das escamas, a água que
mijam é um pensamento. menos quando hibernam.

eva

saíste no jornal, essa fracção de ti que fala do sexo
com propriedade e acribia.
li-te e eras tu, ainda as mesmas
pernas com que era suposto teres-me
esmagado a cabeça,
a mesma boca o mesmo cheiro os
anos de estudo para saberes
como procurar quem não te peçla
"esmaga-me a língua com as paredes da cona".