14/12/2013

touch my princess parts

toca-me com a matemática
com a precisão
com a exactidão
dos numerais, da linguística.
toca-me na matemática,
nos numerais cardinais
mas segundo um processo
ordinal;
na matemática,
com a linguística
da matemática.

lambe-me com a precisão
dos números
a matemática.

03/10/2013

nome da cadela

cheiro a gatos velhos, a minha gata está doente,
vai morrendo sem o ver, cheiro a lamechice, a
morte antes de tempo (e quando é o tempo
para isso?); os cães notam, os cães das fufas
notam - as fufas têm cães porque não têm homens -
o meu cheiro, choram pela minha gata quase
morta, é tão plausível que a minha gata já
esteja morta sem ter reparado (por vezes sucede).
cheiro ao meu gato gordo e saudável, cheiro ao
meu gato de rua gordo e saudável, amarelo, vivo.
tenho a vida dos meus gatos, a morte dos meus
gatos mais do que a minha vida e a minha
morte. a minha gata cheira a coisas podres
e tem as patas sujas, os cães notam em mim
a morte da minha gata, o cheiro da morte
da minha gata nas calças e na camisa.

19/08/2013

camélia

talvez
devesse
foder como quem ama
e não amar como quem fode.

canis canis

beijo a boca dos cães porque é tão desprovida de bactérias
mesmo que cheire tão mal.

é anti-séptica.

a que cheira (talvez) ácido nítrico
nos olhos?

24/07/2013

há mau e bom colesterol

lembras-te das fotos que me enviavas, há uns anos, nua, na casa de banho ou sobre a cama? dizes "tenho vergonha", agora, com os olhos, como se não me tivesses mostrado a cona depois de te terem feito um minete. e é normal que tenhas vergonha, agora és uma mulherzinha desinteressante, continuas sem perceber sarcasmo nem ironia e olhas para o mundo como se fosse só aquilo que se vê. não te lamento nem te choro, nunca pensei que te pudesses tornar noutra coisa. nem eu me podia ter tornado noutra coisa, não me lamentes, não me chores por não ser ágil nem gracioso, por rebolar na cama, por cair, por dormir de dia, como um tipo de planta nocturna. já tinha vergonha, por ti, nessa altura, mas enviavas à mesma as fotografias e dizias "é erótico, é arte" e era só grotesco e feio, um pornográfico mau. era apenas mamas gordas a balançar na imaginação e as nádegas de animal, de mulher provinciana, as pernas tão feias, demasiado gordas, em cima, demasiado magras, em baixo. e houve um homem anónimo que te mandou uma foto da pila com o teu nome escrito e nem assim paraste com as sessões, estavas sem cuecas num parque infantil e tiravas fotos à cona. ias para casas abandonadas e era como se fodesses sem que ninguém te tocasse, não tinhas nada de remotamente erótico, nenhuma provocação no olhar, valias-te apenas de seres mulher e despias-te e tiravam-te fotos às mamas e ao rabo e depois os homens tocavam-se a olhar para ti, porque os homens não precisam de muito e tu estavas gorda e tinhas mamas.
hoje estás mais velha e triste e eu estou mais velho e triste e ambos estamos mais feios e cansados, atirados para uma concha de conformismo. em certas alturas pensei telefonar-te e foder contigo um fim-de-semana todo. ainda bem que nunca o fiz.

14/06/2013

Pôncio Pilatos enquanto Prefeito da Judeia

não posso pedir amor só porque
sim,
não devo, não me é permitido fazê-lo
porque as coisas foram construídas
assim e todos os poetas
todos os pintores todos os músicos
estão errados.
este mundo é dos que morrem de
matemática, de lógica, de ciência.

o van Gogh amputou uma orelha
em vão. o van Gogh é irrelevante.
era doente.

13/06/2013

acipenseridae

dá à costa como se fosses
um esturjão ou um cachalote
mortos
envolvidos
a rebolar em lixo
em redes
em tudo aquilo que
se deita ao mar
para que se decomponha
e cheire a sal
e a limo.

conto carneiros antes que deus chegue
nos punhos fechados do meu irmão
mais novo, provo o sal e o refugo
e conheço os insectos que gritam
nas árvores, no calor.
este lugar é onde e é porque.
e o velho que me pede tabaco cheira
a enxofre e a mofo. é quase uma
composição mineral e fez da vida
esta memória de after-shave de
limão. amo o velho que
me pede tabaco e tenho medo que
morra uma destas noites, por isso não
deixo que o meu corpo durma.

lamento dos vultos literários.

05/06/2013

turno da manhã

a rita é de gestão
e é bonita em duas das quatro
fotografias. é mais
ou menos
bonita, a rita.
a rita é uma aliteração.
"a única coisa de jeito, que ela tem,
são as mamas"
mas em qualquer uma das quatro
fotografias da rita
na rede social
não me é dado ver-lhe as mamas,
lamentavelmente.
a rita é de gestão.

a rita é digestão.

23/05/2013

ti' Barbas

"a gente já sabe que estamos mal", dizia o homem no café, em frente a dois copos de vinho vazios. e na televisão o ex-político falava da recessão, bem vestido e sorridente. a sua opinião era valorizada, deve-se ligar ao que diz um ex-político, quando fala da recessão e usa palavras como "dívida", "défice", "memorando", troika". e nós, destitutos, na escuridão do café, à uma e meia da manhã, a ouvir o político porque devemos estar preocupados com estas coisas. "a gente já sabe que estamos mal", diz o velho com vinho na barba, a fechar os olhos e a tapar os ouvidos, "deixem-nos ser pobres em paz, deixem-nos morrer com o fígado todo fodido do tinto barato, deixem-nos não saber de vocês, da dívida, da recessão, porra!" e eu pensei "porra". limpei a barba, talvez tivesse restos de tinto barato. porra.

05/05/2013

roleta-russa é um título tão usado

ame-me esta noite, homenzinho desconhecido, descalce-me os sapatos de salto alto, diga-me o quanto ama a minha cona quente e cheia de água de carinho e de músculos novos.
e chore, por favor, chore e desista de me foder, olhe-me, apenas, guarde-me como uma memória que adube as plantas que crescem nos vasos da sua varanda, num apartamento pequeno e escuro, húmido, na parte antiga da cidade.
ter-me-á amado como se fosse a última mulher à face da terra e nunca se atreverá a outras coxas, outras mamas, outra boca. morra de amor. de desgosto.

"el peligro de ser humano"

diz-me "décadas, querido, passaram-se décadas
desde que deixámos de foder devido a esta
infecção no colo do útero, no cólon, no
recto, na boca, esta afta psicossomática,
este empecilho freudiano. quando deixares de
me amar podes-te ir só embora, isto
já é só um frete, para mim. hás-de
encontrar alguém melhor que eu." diz-me
isto antes de fodermos pela última vez. sim?

dia da mãe

nada para a minha mãe. não é que ela não mereça, é que ela não existe. há uma pessoa, um saco de carne e nervos sustentado por ossos, que me pariu - e a mais duas criaturas -, mas isso está longe, está a galáxias de distância do que é a minha mãe.
a minha mãe está noutro lugar, no sítio de penas onde era suposto que eu também estivesse.
esta coisa disfuncional que coabita comigo aqui é só isso. lamentavelmente, às vezes nem isso chega a ser.

15/04/2013

III

(estou presa neste déjà vu, em que apareces, enquanto choro, enquanto escrevo e lamento as unhas, a sujidade das unhas. o amor que não parou por nenhum dos homens da minha vida e, portanto, por ti, também. mas tu não chegas. a sensação não pára mas tu nunca chegas, partiste, não gostavas mais das minhas unhas, das minhas lágrimas, não podias mais aceitar o meu amor. é provável que já não conseguisses fazer amor comigo. foder-me.
estou presa aqui dentro, apareci aqui dentro, esta é a roupa que me serve - é possível, aliás, que alguns tenham esta tarefa, para que os outros não precisem de a ter. quando acordei estava assim vestida, tinha os meus pais e os meus familiares muito distantes, todos, longe, numa sala mal iluminada, a comer carne com a boca cheia de ar e de música esquisita, falavam de mim, falavam em conhecer-me. eu tocava no sexo, na cona, magoava-me de coisas quentes - é mais fácil escrever "coisas" -, eles queriam conhecer-me, falavam de mim com um jarro de flores no meio da mesa. eram muitos e o meu amor sempre ligado, alguns de nós são assim, morremos de dor e nada nos chega - tu não chegas no meio do déjà vu em que "sei" que chegas, neste intervalo das unhas que odeio, vejo-as enquanto escrevo e não as desejo conhecer melhor. arranhavam-me o sexo, a cona, no meio da água que deitava, doía-me, doem-me as unhas contra a carne mole, dói-me o prazer, tu longe, todos longe, os meus pais, os meus avós, os fantasmas de boca aberta atrás de todos eles, numa sala com uma mesa e um jarro de flores ao centro - falam para as flores, contam histórias sobre mim, sobre a minha cabeça.
estou presa, esta é a minha roupa, gostava que os teus braços me resgatassem, gostava de tantas coisas, toda a gente gostava, uns conformam-se, a maioria conforma-se.
consigo ouvir-te, sei todas as coisas que me dirias, todas me magoam, todas são unhas sujas, música esquisita, tu falas por todos, na tua não-voz a não-voz de todos, o amor esquecido de todos, no teu.
"onde me amas? em nunca."
estou presa neste fandango cansativo, homenzinhos imbecis nos meus sonhos, não dizem nada que interesse.
quero abrir o meu corpo para sempre, tomar conta de todos os homens que continuo a amar, essa é a minha forma estranha, a minha música esquisita, a maneira herbívora de tomar também conta de mim.
estou aqui presa e este é o fim do texto. nunca chegaste a chegar e as minhas unhas enojam-me imenso.
hei-de ser uma flor aberta. perene.)

13/04/2013

ver para creer


foderia a venezuelana
no cu
de latina e agarrar-lhe-ia
as mamas
por trás
sem perceber
nada dos impropérios
de prazer em
espanhol, tirando
os que se ouvem às
vezes nos filmes
porno. pensaria
no marido
da venezuelana
e não teria simpatia
não me posso dar
ao luxo
de simpatias
com a piça
dentro de um
cu
latino.

cu de bêbado não tem dono

não sei se
a Mercromina
me enfiava um
dedo no cu
se lho
pedisse.

e nem tomei
duche anal.

11/04/2013

viseira

estás gorda
mas
fodia-te à
mesma,
meu amor.

havia uma
poesia
de animais
de cio
de músculos
e mesmo gorda
a tua cona
as tuas mamas
sobretudo
são as melhores
do mundo
e o teu rabo

for old times'
sake.

27/03/2013

não caibo
- nunca coube,
nunca quis caber -
dentro de verdade
nenhuma.

26/02/2013

romanesca

esquecera-me também de colaborar. há mais de dois meses que não enviava textos, não tinha o que enviar, porque não escrevia. e não escrevia porque se dava que tinha um nó no estômago há muitos anos - tantos, que podiam ser milénios (eram milénios). tinha um nó no estômago porque as mulheres, as crianças belas por quem me apaixonara tinham todas saído para outra sala, de onde as podia avistar de vez em quando, passando à porta, mas sem mais nenhum contacto, sem ser esse. dava-lhes por vezes encontrões com a mala, à saída do refeitório, pedia desculpa mas ninguém olhava para trás (é um desperdício de tempo e de saúde, olhar para trás). podia escrever "pedra", "faca", "lama". desenvolver. pensar "a hermenêutica, as bolsas linguísticas, o zeitgeist" e fazer dissertações muito sérias acerca de tudo isso. podia ligar a televisão e escrever "os leões no quénia" e escrever um poema sobre a humanidade dos animais vs. a humanidade das pessoas, fazer analogias, "todos nos comemos vivos uns aos outros como na selva sob o sol quente de África", a ponderar se escreveria África com maiúscula ou minúscula. se não me queixasse tanto talvez me convidassem para cafés, talvez me dissessem com carinho "gosto de ti" - talvez gostassem. se não me queixasse tanto talvez não sentisse um nó no estômago, talvez escrevesse, talvez na praia em S. Martinho do Porto, ao sol frio de inverno (não como o de áfrica), conseguisse escavar na minha carne a pessoa que sou - não a que devo ser, não a que gostava de ser, mas a que sou. escrever uma cadeira, mandá-la, "este mês não me esqueci, ainda estou activo, vivo, ainda sei fazer isto: tomem lá uma cadeira". escrever "a poesia serve para isto porque:" e enumerar, por alíneas. a poesia - a literatura - serve para isto porque é. pensar se devo escrever "É" com maiúscula ou com minúscula. pensar. distanciar-me das coisas todas, para poder escrever sobre elas, destruir a linguagem, a língua, alimentar-me de ar e de chuva e de bichos que não façam falta a ninguém, não deixar que me doa que se tenham ido embora (é provável que nunca tenha amado ninguém, que nem sequer saiba o que seja isso, porque nunca escrevi sobre outra coisa, e temos de nos afastar das coisas, para podermos fazer qualquer coisa com elas).
talvez este mês mande qualquer coisa, talvez este mês mostre que ainda estou vivo e escreva para ninguém uma coisa que se possa ler - como isto -, mas que não interessa absolutamente nada.

25/02/2013

"

o careca, a fufa, a miúda que estava com a fufa (acho que a fufa dava aulas no liceu, há uns anos), talvez a filha da fufa, portanto a fufa eventualmente nem sequer fufa, ou uma vez não, ou com uma seringa pela cona e, nesse caso, a companheira a meter a meita lá dentro e sempre fufa. a miúda é gira mas menor de idade e eu um homem feito, trinta anos e um coração despedaçado, a miúda no máximo uns catorze mas bonita, ao lado da fufa e o estúpido do careca a passear pelo foyer, "sou o dono disto", a ser o dono disto tudo, da madeira, do chão, das paredes, dos quadros, da tinta branca, das pessoas. o careca pode foder a miúda e ninguém lhe diz nada, ele é dono disto tudo; a fufa pode foder a miúda, é uma senhora de respeito e nunca ninguém vai saber, são amigas, a fufa tem coisas de adulto respeitável e culto para passar à miúda, mas se eu a fodesse na casa de banho deste café ia preso e deixava a criança magoada.
o meu coração despedaçado a procurar uma argamassa na cona menor de idade desta miúda e a deixar-lhe uma fenda, uma ferida num dos ventrículos metafóricos.

20/02/2013

y

já disse mais de mil oitocentas e trinta e cinco vezes que sobreviver é sub-viver. já disse tudo. já me queixei de tudo, da solidão, da angústia, da falta de amigos, de abraços, da culpa dos outros. já escrevi todos os textos que poderia escrever.
"o mundo está sobrepovoado", diz-me a colega de antropologia. por favor
mas por favor
deixem-me fazer a minha parte, nisso. obliterar-me daqui.

19/02/2013

cúbito no armário há vinte e sete anos

este é o século, o tempo. tudo o que tenho para dizer é nada, cabe numa linha, cabe numa mão pequena.

onde estão as mulheres que ainda me queiram, que ainda fiquem, que ainda permaneçam de noite e de dia, "rodeie-se das pessoas que gostam de si até aprender a fazê-lo sem ajuda de ninguém", onde é que estão essas pessoas? no espelho sou só uma doença e aos olhos dos que passam ao longo da minha extensão biológica também.

18/02/2013

expressão

trago na bebedeira memórias de outros locais, de putas, do hotel abandonado atrás do tribunal. os miúdos abrigavam-se da chuva onde tinha sido o cinema, abraçavam-se, beijavam-se. as putas olhavam os miúdos, passeavam, as saias quase nada, as meias altas, as bocas semáforos vermelhos junto ao hotel atrás do tribunal, junto à antiga sala de cinema onde ainda por acaso cartazes do último filme, em 1987. nem as putas nem os miúdos traziam nada semelhante a uma verdade, nada semelhante a nada. que desperdício. as imagens são um desperdício. à noite não há um único albatroz no céu, só tabaco e solidão e amargura e às vezes uma garrafa de qualquer coisa (brandy, whisky, anis, água). as putas passam e os miúdos passam, ou seja, podem ficar, mas passam. as imagens são como fotografias que anunciam uma espécie de movimento, mas acabam por remeter a um momento estático: "os miúdos abraçados, abrigados no cinema antigo" ou "a boca vermelha das putas". tudo parado, um bocado de tempo deslocado, inexistente, impossível. o que há é a falta de amor aos bocados, uma procura de braços, de alguém que seja um receptáculo de nós, de mim. uma mulher que seja uma nuvem, um campo, um bocado de argila, que não magoe mais, que não se fira na possibilidade de sair ela magoada no final. que não haja um final, digamos, na utopia que resta para sobreviver à praticidade de se ser aqui, neste ano, neste mês, depois de tudo o que veio antes (vieram as putas nas arcadas do hotel vazio, atrás do tribunal, tão deprimentes, com as bocas encarnadas, pequenos deuses a levar dinheiro por broches em becos escuros, homens de pé contra as bocas). trago na memória uma espinha de peixe a sair das costas, k+i=?, lembro-me de amigos da maneira como eram, antes de a vida os ter mandado todos embora, antes das reticências, dos parêntesis. lembro-me da escola, das cordas, das mãos, dos pescoços, das pedras. tudo imagens paradas, lembro-me de um homem de pé contra a minha boca, no escuro, os meus pais longe e eu pequeno, tão pequeno, tão inútil, sem amigos que me abraçassem abrigados do frio no cinema abandonado, ao lado do hotel por trás do tribunal. os homens trabalhavam no campo, comiam pão, o céu tinha nuvens e corvos e os tractores, porque tudo isto na província há uns anos atrás, pelas estradas e ao pé das árvores, nas várzeas, o rio seco no verão, apenas túneis de silvas e de cardos e um leito, uma cama vazia sem lençóis (nunca fiz nada no campo, fiquei sempre só estático, as mãos ao longo do corpo enquanto os outros corriam e apanhavam pêras e maçãs e subiam às árvores e cortavam uvas em setembro ou em outubro com as tesouras de poda, eu tinha medo dessas coisas, era frágil, era inútil, era fraco, ficava sentado ao pé das árvores a pensar em putas e a ver os corvos, a pensar nos pássaros que comiam as maçãs encarnadas como os lábios das putas e depois morriam porque as maçãs estavam pulverizadas com veneno. os corpos dos pássaros nunca apareciam, não caíam do céu, simplesmente se evaporavam, tornavam-se nada, angústia, solidão, tabaco. morriam porque as maçãs, as pêras, as ameixas, tudo envenenado, tudo com sulfatos e coisas tóxicas que os seres humanos depois lavavam ou descascavam, as cascas venenosas depois alimento de outros animais, porcos, cabras, galinhas, coelhos, mas esses nunca morriam por isso é possível que os pássaros também não).
trago amigos que morreram, quememataram ao entender mal as coisas, as mulheres que amei todas sozinhas ou seja eu sozinho longe delas, fraco, inútil, incapaz, com às vezes garrafas de qualquer coisa que queima a garganta, imagens iguais de putas/velhos/miúdos/arcadas/cidadesemchamas a vida inteira, ninguém a quem chamar e a culpa é minha
a culpa sempre foi minha ao longo da vida.
senhor doutor, a culpa sempre foi minha, não sou um arquitecto de mim mesmo nada bom e não devo ter pena de mim mesmo se toda a gente está longe e foge porque a culpa é minha e etc.

pouco de mim importa e pouco de mim é verdade mas ao menos as imagens metafóricas
das putas e das suas bocas
das crianças com os braços e as pernas feridos a tremer de frio
na cidade debaixo do consultório de psiquiatria
onde os comprimidos, a solidão, a amargura,
as palavras todas inúteis, sempre iguais, sempre a mesma coisa até um dia.
até um dia.

04/02/2013

4

nos vinte minutos que faltam pode
caber, toda, uma verdade muito con-
creta sobre estas coisas ilógicas, do
amor. guardar, durante anos, um lenço
de assoar com ovelhas, porque veio de
um par de mãos que estavam lá na
sua vida. e hoje lá estão, na sua
vida, mas é tudo diferente, porque,
agora, por um momento, fiz parte
dela e sei como ela é. e é linda.
era cego e vi. e resta estar cego
novamente.

01/02/2013

da falta

ainda vou aparando a barba como se viesses, ainda vou comprando pares de calças que não fiquem tão mal, como se reparasses. e os dias podem ser isto e podes já não mais querer saber, mas em todos os momentos tenho-te guardada como se guarda as coisas mais preciosas, mais valiosas das nossas vidas.
a barba cresce todos os dias e aparo-a de vez em quando, como se me fosses ver, como se falássemos. lavo os dentes e tomo banho e visto-me e durmo e como.

e caminho todos os dias como se caminhasse em direcção a ti mesmo que tenhas ido embora.

31/01/2013

incursão remota por um caminho que se pretende sério e factual

não sou o homem mais bonito neste café. e nem sequer de um ponto de vista da "beleza universal". está ali um indivíduo que faz mais o teu estilo e isso é que me interessa. isso há-de ser sempre o que me interessa.
posso tocar o sempre.
vês?
meu amor, vês?
o flanco todo ferido de anos e de dor e de solidão, de amargura e de desencanto a que me forçam. a que me forças.
ao menos que fosse o homem mais bonito neste café, para ti, mesmo sem aqui estares.

16/01/2013

laminar

não sei sequer se vou viver mais um ano - não quero sequer viver mais um ano - por isso, querida, hoje é para sempre.

12/01/2013

turbina


geralmente o amor é
como um capitalismo
em que uma das partes
detém o capital
e pode fazer o que quiser
à outra. dito correctamente,
a outra que se foda.

10/01/2013

memórias de um corpo esventrado #3

diz-me que coisa minha te posso dar, que podes receber da vida, sem mim... responde-me a sério. o amor pode ter murchado mas nem tu sabes isso com certeza. a solidão destrói-me como um livro guardado ao ar, numa estante, no Litoral Oeste, a ser consumido pela água, pela humidade no ar. a única coisa que resta é contar a respiração. respirar alto e ouvir, contar, um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, até nem isso, já.
onde ficares é onde quero estar, longe de doenças e de cansaço, a ser eu, contigo. há muitos anos estive sozinho e foi mais ou menos bom, custou na mesma. nos dias de hoje não é possível porque te escolhi sem ter escolhido, a cabeça pesa-me de desalento e de angústia, as noites as noites as noites os dias os dias os dias, amor, os dias as noites. hoje não sei que dia é, os carros estavam molhados de gotas espessas e cheirava a podre na rua mas não ouvi chover, não sei se choveu.
estou incompleto e com uma alma cada dia mais pequena, mais incapaz. se ao menos uma nuvem lilás pela garganta abaixo...

09/01/2013

senior

qual é o lugar onde me sento? o que bebo? porque te esqueceste de mim? onde é que isto começa? onde é que isto acaba? porque é que há homens que aguentam uma tarde inteira num café, sozinhos? que pergunta é esta? o que é isto?
não posso beber mais nem posso tomar mais comprimidos nem fumar mais não sei como os homens aguentam felizes num café uma tarde toda não posso mais fingir que sou uma mulher quando escrevo textos não sou uma mulher nunca fui só acho que a sociedade nos inverteu os papéis as mulheres são frias e secas a única coisa fértil nelas é o útero de resto mais nada são os homens que sofrem por amor e talvez por isso escrevo como se fosse uma mulher tantas vezes porque ao menos quando escrevo como se fosse uma mulher não sofro por amor porque nenhuma mulher no mundo é capaz disso só são capazes de operações mentais exageradas enquanto os homens como eu ficam abandonados numa beira de rio metafórico que cheira mal a águas estagnadas enquanto lacraus e outros bichos lhes mordem arranham picam os pés e as canelas

eu
sou
um
homem
.

07/01/2013

Cândido não precisava de cadeiras

recordo-me por vezes de um homem que o meu pai matou, à noite, há muito tempo atrás. esfaqueou-o no pescoço e depois foi-se embora desse quarto. era noutra altura, numa casa grande e quase desabitada, escura, com as molduras tortas, nas paredes, a tapar manchas de bolor.
o homem ficou no chão, com a testa encostada nos tacos de madeira, agarrado ao pescoço, os dedos e as mãos sujos de sangue, os olhos a arfar e a boca a fazer sons, durante uma meia hora, como se fosse um pavão a morrer. depois cansou-se e pediu desculpa nem sei bem do quê, aninhou-se em si mesmo e chorou um bocado.
o meu pai foi comer uma sanduíche e eu fiquei sozinho com um homem a morrer no quarto, não me lembro de gostar daquela casa onde morreu um homem a fazer sons tristes de fim biológico, como um pavão (a que soa um pavão, quando morre?) em tronco nu, a tremer um pouco, a chorar um pouco, sem se conseguir mexer. e pediu desculpa não sei bem do quê, não tinha de que o desculpar, não me apetecia tocar-lhe. havia homens que gritavam, no mar, antes que a água e a escuridão lhes enchesse os pulmões, ou homens em incêndios que berravam, numa esperança remota de salvação à última hora, mas aquele homem chorava sem lágrimas nos olhos e fazia um som, durante meia hora, calculo, que era igual aos sons dos pavões, quando morrem.
vi um pavão morrer porque o meu pai lhe cortou o pescoço, estava semi-nu, só de calças, os pés tão ridículos, no fundo das pernas, nada ali fazia com que sentisse compaixão, porque o meu pai me tinha matado os sentimentos há muitos verões atrás.