29/01/2016

não posso pedir para ser mais
importante que aqueles que
morrem, que levam consigo
toda a gente nos funerais e me
deixam aqui sozinho com a angústia
e a solidão e a saudade e o
despropósito de todos os dias.
ainda estou vivo mas por uma
questão cada vez mais apenas
biológica.

vem buscar-me agora
que os meus dedos fedem
a tabaco e não sei
o que fazer com a idade
que me foi caindo em cima

25/01/2016

j

espera-me em ur da caldeia onde não chegue
a precipitação, não te esqueças de trazer
duas mudas de roupa, um saco-cama, uma almofada
de penas e uma porção de canetas.

não te esqueças de levar papel e flores e
bolachas para o lanche. espera-me onde
vendem os jornais, por baixo do dentista,
eu levo uma máquina de barbear e aftershave. eu
levo as mãos. lavo as mãos. como com
às mãos
enquanto não comprarmos talheres de
plástico.

22/01/2016

1879

branco no leite coalhado,
num olho lento que se
move para cima e para
baixo, uma borracha na
boca, uma pastilha,
amigos mortos atirados
para dentro das banheiras
enormes e pesadas atrás
do hospital. uma corda
ao pescoço e um crucifixo
enfiado numa gaveta, na
memória obsoleta das coisas
que sangram.

18/01/2016

deus no lixo no meio das pequenas coisas
como dizem que deve ser
nos caixotes nos sacos de plástico
largados nos becos
a ser mastigado pelos cães
vadios. rente à barba dos
sem-abrigo
na sopa dos pobres.