29/06/2015

petanca

caso o que dissesse ainda interessasse, ainda mantivesse algum peso, diria, entre um cigarro rente a queimar a ponta dos dedos e um copo de brandy, na tasca ali de cima, que o amor vale a pena, que ainda alguém devia acreditar nisso. contudo, alguns de nós cumprem o seu propósito de profetizar a loucura que mais ninguém aceita e ficam para trás, guardados como memórias e roupa em armários numa cave igual às dos filmes americanos, tudo demasiado sépia e antigo, antiquado, ilógico. este é um tempo para ideais sociais de igualdade e de intelectualidade, um tempo de extremos, este é um tempo muito violento de certezas mas também da lassidão e angústia da morte da alma, do extermínio, do suicídio da alma. caso aqueles que, como eu, tocam no fundo da alma, da sua própria alma, ainda fizessem sentido, poderia dizer "acreditem no amor a sério", mas não há almas onde isso caia e assente e permaneça, o que há é vento e um deus magnético a morder desde o ramo da ciência exacta até ao que era a língua da filosofia e entretanto não serve, mitologias velhas, roupas velhas, memórias velhas, brincadeiras de miúdos que não sabem a sério o que é isto de viver, de ter de viver. o amor não pressupõe a sobrevivência

a solidão não pressupõe

alguns de nós não sabem lidar, nunca soubémos, nunca saberemos, dentro dos crânios temos uma plantação doentia de memórias roxas e vermelhas de demasiados eventos e pessoas que deixaram de valer a pena há tantas décadas, alguns de nós vão-se extinguindo dentro da solidão, com o dedo esguio da culpa apontando para os outros, coitados de nós tão incapazes profetizando

a loucura é uma verdade

a solidão não pressupõe saber lidar não pressupõe um patamar onde sozinhos consigamos de todas as vezes resolver o que levaram de nós para longe e não devolvem

23/06/2015

tenho mijado tanto
pelas pernas abaixo
café e vinho e brandy
tudo misturado
no mijo
para dentro de garrafas
de água
vazias

ou para o chão

porque é preciso mijar
é preciso dormir
descansar
morrer

mas antes de morrer
despejar a bexiga

11/06/2015

sempre senti
na verdade
que a palavra
pai
é poeticamente
bastante mais
útil e bonita
que a palavra
mãe