30/04/2015

não seleccionarei localização
não tomarei pequeno-almoço
não irei passear o cão ao parque
nem darei título ao que não deve
ter título. amanhã falamos porque
nunca se morre de nada e calcula-se
sempre que amanhã ainda possamos
resolver o que quer que seja.

mesmo que.

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a noite abre-se como se fosse uma coisa que se abre embora não seja; temos os cornos a explodir de brufen e outras merdas, não conseguimos pensar, sentimos falta dos vizinhos que faziam muitos fritos e grelhados em casa, faziam muito barulho, comiam muito barulho, nunca ninguém chamou a polícia; "era tudo muito pacato, percebe?" - e talvez fosse, às tantas era tudo muito pacato; os amigos foram todos morrendo uns mais literalmente do que outros e, foda-se, dói tanto usar a porra desta imagem, "os amigos foram todos morrendo", assim, os amigos morrendo, mas é tão verdade. talvez não devesse escrever a verdade - seja lá o que isso for, dir-me-ão -, portanto, digo: estou rodeado de amigos imortais que nunca morreram, nunca partiram, nunca precisei de brufen, de panadol, nunca falei como se fosse vários, nunca falei como se fosse uma mulher, nunca achei que era tudo mais fácil se fosse mulher, se fosse pelo menos outro noutro sítio onde a minha vida fizesse mais sentido - é aqui que a minha vida faz sentido.

que brutalidade imensa a vida não fazer tantas vezes sentido, os vizinhos ao menos ouvindo música muito alto nunca morreram, ainda me lembro deles enquanto o meu amigo noutro quarto ouvia música muito alto e misturava-se tudo e eu precisava de panadol e essas merdas e ocasionalmente fora do prazo ou só a impressão de ter procurado o panadol ou essas merdas e de ter tomado com um copo de água muito embora tantas vezes nem um copo de água, só ar e saudades e a tristeza de rebolar num colchão rente ao soalho sozinho

sempre sozinho como uma flor que morreu há dez anos