06/07/2015

iguana

fode-me a boca e no fim mija para dentro da garrafa de água vazia que tens ao lado da cama.
vai de meias à janela fumar um cigarro enquanto vou à cozinha lavar a boca de cuecas e
soutien. lava os dentes. coça os tomates. procura cuecas lavadas em cima da cadeira, no chão,
nas gavetas. dá alpista aos periquitos. liga a televisão, desliga a televisão, suspira.
enceta um pacote de cream cracker e come meia bolacha, bebe um copo de vinho branco,
queixa-te de que querias tinto ou whisky ou pelo menos brandy barato. tudo menos vinho
branco. mas acaba o copo, mete o copo no lava-louça, enche-o de água fria como se isso
enganasse a sujidade (na nossa cabeça engana).
chama o meu nome, pergunta-me se estou a cagar, vou-te dizer que não, "estou no escritório
a ver livros", responde que não preciso de ver livros, sou "o maior exemplo de poesia que já viste
e tocaste", e eu vou fingir que acredito, porque aparentemente a poesia é despejares os
colhões na minha garganta enquanto me agarras uma mama e me puxas o cabelo. eu respondo
"sim" e tu finges que acreditas que não estou a mentir. noto que o tempo demora a arrastar-se e
a levar as mágoas para longe de nós, que no fundo ainda trazemos as dores todas da vida nas
pernas e sobretudo imenso no tórax, nadando no oxigénio e no tabaco com que passamos
os dias.
aquece uma cafeteira, faz café, eu bebo uma chávena contigo, afinal, sou a poesia a mexer-se,
sou estrogénio e tu és testosterona e o periquito na gaiola é nem sei o quê; ambos sobreviveremos
ao periquito, cobardes demais para darmos um tiro nos cornos de uma vez, cobardes demais
para destruirmos a depressão com um prato de açorda de marisco
num restaurante à beira-mar

para reconhecermos que não servimos, que não somos poesia nenhuma, que só vamos
gastando uma vontade, uma tesão, e fingindo que o outro não sabe.

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