15/05/2015

Reiteração

seja lá o que for que tomei para dormir
não funciona. e devia.

11/05/2015

Monster House

a um nível talvez

eventualmente

fonético, ou de um tipo qualquer de
pragmatismo semântico instintivo,

também eu confundiria

úvula com
vulva.

01/05/2015

perdão

não fui a pessoa que no jantar a dividir por todos pediu
arroz de gambas e obrigou todos os que comeram
bitoque
a pagar por aquilo que não comeram

não fui o que não partilhou
não fui o que rejeitou um cigarro no fim
à saída do restaurante

mas pago por todos quando alguém pede um arroz
de gambas metafórico na vida.

30/04/2015

não seleccionarei localização
não tomarei pequeno-almoço
não irei passear o cão ao parque
nem darei título ao que não deve
ter título. amanhã falamos porque
nunca se morre de nada e calcula-se
sempre que amanhã ainda possamos
resolver o que quer que seja.

mesmo que.

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a noite abre-se como se fosse uma coisa que se abre embora não seja; temos os cornos a explodir de brufen e outras merdas, não conseguimos pensar, sentimos falta dos vizinhos que faziam muitos fritos e grelhados em casa, faziam muito barulho, comiam muito barulho, nunca ninguém chamou a polícia; "era tudo muito pacato, percebe?" - e talvez fosse, às tantas era tudo muito pacato; os amigos foram todos morrendo uns mais literalmente do que outros e, foda-se, dói tanto usar a porra desta imagem, "os amigos foram todos morrendo", assim, os amigos morrendo, mas é tão verdade. talvez não devesse escrever a verdade - seja lá o que isso for, dir-me-ão -, portanto, digo: estou rodeado de amigos imortais que nunca morreram, nunca partiram, nunca precisei de brufen, de panadol, nunca falei como se fosse vários, nunca falei como se fosse uma mulher, nunca achei que era tudo mais fácil se fosse mulher, se fosse pelo menos outro noutro sítio onde a minha vida fizesse mais sentido - é aqui que a minha vida faz sentido.

que brutalidade imensa a vida não fazer tantas vezes sentido, os vizinhos ao menos ouvindo música muito alto nunca morreram, ainda me lembro deles enquanto o meu amigo noutro quarto ouvia música muito alto e misturava-se tudo e eu precisava de panadol e essas merdas e ocasionalmente fora do prazo ou só a impressão de ter procurado o panadol ou essas merdas e de ter tomado com um copo de água muito embora tantas vezes nem um copo de água, só ar e saudades e a tristeza de rebolar num colchão rente ao soalho sozinho

sempre sozinho como uma flor que morreu há dez anos

25/03/2015

neo-romântico

rente ao quartel onde os paneleiros ao entardecer e à noite,
onde a luz converge numa decadência,
é dinheiro para comer, nada mais, tenho em casa mulher
e dois putos e preciso de lhes pôr comida na mesa,
assim, sem mais contextos, sem mais gramáticas,
sem mais histórias e sem biografias, os paneleiros só
esfínceteres, só bocas, só piças, só dentes, só
bochechas
cuspindo esporra
nas ervas rente ao quartel quando ao entardecer
os pássaros quietos nas árvores mal aparadas

só uns trocos para o pão e para o peixe, mais nada,
não pense que há intimidade ou amor contra a parede,
rente à parede do quartel suspirando, chorando,
abraçando oferecendo o olho do cu por umas notas 

27/02/2015

das utilidades

domingo à tarde é para ver séries
de televisão dos anos oitenta que só
chegaram cá nos anos noventa sentados
numa cama abaulada e rija com um
cristo à cabeceira a assustar a infância
de dentes escancarados durante o zénite
da sua paixão

a comer bolos moles fingindo que o açúcar
disfarça o mofo a humidade na massa
com a certeza de que os napperons só
servem o propósito de atrair juntar e guardar
pó e folhas secas vindas não se sabe de onde
em cima das cómodas nas casas das velhas
onde se vai por frete aos domingos
sem saber que anos mais tarde vão ser um par de pés salientes na renda
da orla de um caixote de madeira
para se enterrar pessoas que se tornaram
uma espécie de napperon.

23/09/2014

isto, uma pessoa, para escrever

que se fodam os poetas sensíveis, sentados na
natureza a falar de árvores e de cãezinhos e
de cavalinhos e de vaquinhas,
as mamãs lá longe na cidade escrevendo cartas,
a mão invisível das mães a amparar-lhes as
costas,
"meu querido, meu amor, és precioso na tua
poesia maravilhosa e sensível, tocando o coração
bonito, bucólico da vida. lindo, sentado na
natureza, comovido, chorando, o bigode a tremer."
nunca um par de estalos, uma sova de cinto,
caganeira aflita numa casa-de-banho imunda de um bairro
sujo da cidade. nunca poesia a sério.

10/08/2014

dez a bafo

os livros que emprestei os filmes as pessoas
escondendo
tapando
removendo
as lâminas descartáveis (o professor de educação visual e tecnológica no sexto ano um bruto informando "não chamem x-actos às lâminas descartáveis por favor" e eu
eu
era o único que gostava dele mais ninguém eu gosto dos brutos dos antipáticos dos zangados com a vida eu identifico-me eu beijo-lhes a boca da alma
o cu)
as lâminas descartáveis longe e o vinho do porto ao menos e numa gaveta ainda uma lâmina descartável afinal
és tão má pessoa e ninguém
noutro lugar ninguém
te quer
nunca ninguém

conta de dez para trás tens um cigarro e és um coitadinho que só fez merda a vida a toda e ainda acha

que

08/07/2014

escreve cartas

Ele era um bicho que batia com os
dedos nos alimentos e apodrecia os dentes,
ele gritava, ele comia unhas aparadas -
aparas de unhas. Ele arranhava tecidos,
escondia aranhas de jardim dentro de
peúgas velhas que já não calçava.
Ele ia-se suicidando conscientemente
com o tabaco, porque por vezes o amor
não serve, não encaixa.

16/05/2014

o Mário de Sá-Carneiro era um conas

Qual a melhor hora do dia para me ir masturbar
na casa de banho do café, em pé, para dentro do
urinol, a pensar nas pernas da rapariga sentada no
banco de jardim, lamentavelmente menor de idade
(e eu a ser tão porco, tão ruim)?
Não consigo pôr-me a estimar a solidão, se a
vejo só a matar-me a beleza das coisas, redu-
zir tudo às construções de estrogénio mais
esteticamente apetecíveis, nos dias de trovoada,
em Abril. Com a piça latejante nas calças, tão
porco, tão rude, tão feio, "não é assim que
se faz, tens de ser um homenzinho" só que
na decomposição do tempo sem amor nem
poesia não consigo.
Mas bebo ainda leite de manhã.

poesis

1938 um ano como outro qualquer, uma preocupação intestinal
como outra qualquer, no mês de fevereiro, de manhã,
logo, dia 13, às 9:53, o desconforto pouco musical
de uma ligeira desinteria, o suor frio, "estou de
caganeira!", para os outros, isto é, na voz física a
sair da boca, "estou de diarreia, caramba!", caganeira
é tão forte, tão bruto, tão assustador, assim de
caras, tão directo ao assunto, cagar a toda a
velocidade com dores nas entranhas, expelir as
fezes liquefeitas, líquenes, musgo dos intestinos, o
cu a não ter sido construído para isso, para
esse tipo de velocidade aquática, ele aguenta mas
constata-se imediatamente não ser essa a sua função
usual. e ter cuidado com as fissuras anais em
1938, a 13 de fevereiro, limpar bem o cu no fim
da caganeira, que horror!, lavá-lo com aguinha morna
e sabonete, aplicar o bálsamo de um pó-de-talco.

07/05/2014

roxos de falta de ar

trago-te a minha obsessão musical e meio doente, a
mesma obessão que nunca ninguém quer, vou-te
dizer que lhe devemos chamar "amor", trago-te
a minha doença de árvores, dou-te um fruto de
vinhas onde na minha alma toquem as lembranças
dos teus cabelos. quero plantar um barco no teu peito.

05/05/2014

Elas iam na direcção da residencial onde tinha
morrido o cantor romântico, há cerca de dez
anos. O tempo é uma invenção que dá jeito,
mas não deixa de ser tão ridículo, tão absurdo,
por vezes. Estou como que em mil novecentos
e quarenta e cinco, a ver estas mulheres indo
na direcção da residencial, daqui a muitos anos
o cantor romântico vai morrer num quarto,
de ataque cardíaco ou acidente vascular
cerebral (trombose). Dois homens trocam botões
de casacos como se fosse dinheiro. Chove.
Não tenho paciência para poemas compridos.

rimance

a única coisa que tatuaria eram versos de poetas mortos, e seria porque os poetas que importam estão, de facto, todos mortos.

(queres falar disto aqui?
quero.)

não quero tatuagens nas costas, quero frases no peito, quero tirar a roupa e dizer com o peito aquilo que não sei dizer com a boca, «I hated you when it would have taken less courage to love», mostrar às pessoas a quem mostro o peito, a quem exibo a vergonha de ter chegado aos trinta anos e este ser o meu peito, por mais que não o tivesse desejado assim, o meu corpo já tão longe de ter sido o meu corpo, nada de poético ou bonito para se dizer acerca dele, um corpo de um homem com um degrau de idade e a falta de cuidados, o tabaco, o álcool. é no peito que devem estar as palavras que os poetas mortos disseram, para que eu não precise de as dizer, «if you have the ability to love, love yourself first», «love is more thicker than forget». e não quero fontes tipográficas exageradas e desenhadas, quero que o meu peito seja um livro, quero letras iguais às das máquinas de escrever como a do meu bisavô, como a que tive, em criança, e não usei tanto quanto devia. quero uma mulher que entenda que o meu corpo é um livro ou pelo menos um parágrafo, que eu sou um contexto dentro do meu corpo, uma mensagem no veículo de pele e ossos e carne e mau colesterol do meu corpo. uma mulher que toque nas palavras dos poetas mortos e as saiba, «Though lovers be lost love shall not; And death shall have no dominion.»

a única coisa que interessa perguntar sem voz, com a tinta na pele ao jeito de papel, é «Quels bons bras, quelle belle heure me rendront cette région d'où viennent mes sommeils et mes moindres mouvements?» e esperar que alguém possa responder oferecendo os seus.

03/05/2014

cantos da boca

por onde e como mijam as jibóias? na infância julgávamo-las
erradamente venenosas, mas venenosas são as cascavéis e
as cobras-capelo. não nos ensinavam quais as venenosas porque
aqui nem há dessas serpentes terríveis, que matam homens.
nos pinhais, apenas peles, mangueiras ou câmaras-de-ar em
relação às quais o corpo dos répteis cresceu. os répteis
mijam também, só que de um modo tão disfuncional,
as tartarugas deixam só uma poça de água, umas lágrimas
no chão, o cimento humedecido, podia-se beber aquilo,
é inócuo e provavelmente não tem sabor nenhum. deve
ser assim que mijam as jibóias, nas florestas tropicais,
a urina a cheirar a limo e líquen, mitologicamente
venenosas na imaginação das crianças -- isso, de apertar
as coisas com o corpo, não assusta verdadeiramente, só
o veneno, a gangrena, o imediato tóxico no sangue, a
fazer com que os pulmões morram, que a circulação pare --,
procurando apenas mulheres menstruadas, mordendo-as no
pé, matando-as, acabando com a sua raça, mijando
depois do processo biológico próprio, da função excretora
própria de quem vive, mijando também, só uma poça
de água sem cheiro a sair das escamas, a água que
mijam é um pensamento. menos quando hibernam.

eva

saíste no jornal, essa fracção de ti que fala do sexo
com propriedade e acribia.
li-te e eras tu, ainda as mesmas
pernas com que era suposto teres-me
esmagado a cabeça,
a mesma boca o mesmo cheiro os
anos de estudo para saberes
como procurar quem não te peçla
"esmaga-me a língua com as paredes da cona".

28/04/2014

a desejada

querida espanhola, penso em ti todos os dias,
és aquilo que tenho que mais se assemelha a amor,
mas não to posso dizer, porque estamos tão
longe e o meu corpo tornou-se - tornei-o -
asqueroso e pobre, sem nada de monetário
na carteira ou nas algibeiras, só umas
músicas vagas q.b., mentiras existenciais
de amor e entrega em vão. maria, se me
deixasses, se pudesse, dizia-te que ardes no
escuro, fosforescente como o cu de um piri-
lampo perene, imune à biologia das estações,
sem necessidade de alimentos, tecendo um
nylon vegetal para dentro da minha boca
aberta numa oração inaudível, uterina.

24/04/2014

sou também tanto um fígado arruinado de
música por que ninguém se interessa tirando
uns familiares distantes a morrer muito pobres
sozinhos em casas velhas com colchões no chão.

chacal: a caça

na quinta-feira em veneza
com a gripe com a merda da morte
nas narinas a ler poemas dos outros à
espera que a alemã no café queira uma
pérola de meita no olho do cu.