branco no leite coalhado,
num olho lento que se
move para cima e para
baixo, uma borracha na
boca, uma pastilha,
amigos mortos atirados
para dentro das banheiras
enormes e pesadas atrás
do hospital. uma corda
ao pescoço e um crucifixo
enfiado numa gaveta, na
memória obsoleta das coisas
que sangram.
22/01/2016
1879
18/01/2016
14/12/2015
01/12/2015
cozinha totalmente remodelada
tão nova, ainda, e já um poema inteiro nas calças,
a crescer debaixo da camisola,
uns treze, catorze? tanta vida, tanta música
no espaço ainda demasiado infantil
da cona.
mas já útil e capaz de com a boca apertar
uma piça e dela extrair a meita, a seiva.
28/11/2015
eis o homem que domina
mudaram o governo e afirmam
e esperam
que agora as coisas mudem
que a exacerbada preocupação económica
se converta em preocupação social
mas para tantos de nós
nenhum governo serve
nenhum governo envia a todos
os cidadãos
uma pensão de amor pelo
correio
31/10/2015
vender víveres
carro de mão, és uma estrela de cinema fluorescente caminhando
no meio do gado caprino, dois homens bem vestidos levam-
-te pela mão, empurram-te, gritam-te impropérios, apalpam-
-te o rabo,
são trezentos euros barra (/) noite,
dizes.
trezentos euros pela epiclese do teu olho do cu,
querida.
26/10/2015
devia querer saber das ambulâncias que passam em frente ao café onde me sento mas a verdade é que para além do ruído que fazem não me interessam não me pesa quem vão buscar ou quem carregam lá dentro em urgência caminhando em direcção à morte
a mim ninguém me vem buscar de urgência e já não me quero preocupar com fingir que o resto me interessa.
22/10/2015
se me ensinasses como falar espanhol
aprendê-lo-ia
como uma criança a quem obrigam a comer
couves-de-bruxelas porque faz bem
ao corpo
e ao teu lado é possível que o espanhol
faça bem à alma embora
no século xxi não caia nada bem
acreditar-se na alma
mesmo que não tivesse nada para te ensinar a ti
(não tenho nada para te ensinar)
para além da ciência urgente e necessária
de se gostar de couves-de-bruxelas
13/10/2015
03/10/2015
URETRA
fala-lhes do desconforto de se ter um bisturi no
escroto enquanto os médicos te acariciam a testa
e te garantem que vai correr tudo bem;
faz contas de cabeça, tudo é matemática aborrecida,
tudo é calmo e inócuo,
está tudo preparado para ser destruído
em ácido, num grande incêndio.
21/09/2015
could you get my glasses from the nightstand?
she moved into the center of the room, slowly, as the rest of us sat down around her and lit our cigarettes, filled up our glasses with brandy and red wine and this or that type of liqueur. someone said they were too old to consider understanding the thoughts of Camus; she nodded in agreement and whispered "we're too old". by then, blood was dripping from her scalded hands and the cat was lapping it up off of her shoes. the woman beside me said she should probably put the kettle down, and she did just that. at that time, the kettle had cooled down, so she placed it on the table and went into the bathroom to tend to her injuries.
i distinctly remember feeling love waning away, time lapsing, people falling asleep while my niece washed the dishes and smiled at me. then she sat down and poured herself a glass of brandy, the cat jumped onto her lap and started licking her badly burnt left hand. we're too old and Camus is dead, whatever his thoughts were they don't matter much anymore.
03/09/2015
31/07/2015
Filamento #4
sei onde começa e onde termina um certo charme, uma mentira cinzenta entupida de muito cabelo e cotão e pentelhos sobre o que sou, o que vêem que sou - o que ofereço do que quero que pensem que sou.
no intervalo disso, vou apodrecendo, vou fingindo estar a viver, ouço umas músicas que façam com que consiga ter perdido tudo o que perdi, tudo o que perco sempre.
era urgente que me enfiassem as tripas num liquidificador e as dessem de beber a um recém-nascido. "agora vais ter de crescer e viver com este gajo em ti, contigo, e pode ser que as coisas sejam melhores para os dois."
06/07/2015
iguana
vai de meias à janela fumar um cigarro enquanto vou à cozinha lavar a boca de cuecas e
soutien. lava os dentes. coça os tomates. procura cuecas lavadas em cima da cadeira, no chão,
nas gavetas. dá alpista aos periquitos. liga a televisão, desliga a televisão, suspira.
enceta um pacote de cream cracker e come meia bolacha, bebe um copo de vinho branco,
queixa-te de que querias tinto ou whisky ou pelo menos brandy barato. tudo menos vinho
branco. mas acaba o copo, mete o copo no lava-louça, enche-o de água fria como se isso
enganasse a sujidade (na nossa cabeça engana).
chama o meu nome, pergunta-me se estou a cagar, vou-te dizer que não, "estou no escritório
a ver livros", responde que não preciso de ver livros, sou "o maior exemplo de poesia que já viste
e tocaste", e eu vou fingir que acredito, porque aparentemente a poesia é despejares os
colhões na minha garganta enquanto me agarras uma mama e me puxas o cabelo. eu respondo
"sim" e tu finges que acreditas que não estou a mentir. noto que o tempo demora a arrastar-se e
a levar as mágoas para longe de nós, que no fundo ainda trazemos as dores todas da vida nas
pernas e sobretudo imenso no tórax, nadando no oxigénio e no tabaco com que passamos
os dias.
aquece uma cafeteira, faz café, eu bebo uma chávena contigo, afinal, sou a poesia a mexer-se,
sou estrogénio e tu és testosterona e o periquito na gaiola é nem sei o quê; ambos sobreviveremos
ao periquito, cobardes demais para darmos um tiro nos cornos de uma vez, cobardes demais
para destruirmos a depressão com um prato de açorda de marisco
num restaurante à beira-mar
para reconhecermos que não servimos, que não somos poesia nenhuma, que só vamos
gastando uma vontade, uma tesão, e fingindo que o outro não sabe.
29/06/2015
petanca
a solidão não pressupõe
alguns de nós não sabem lidar, nunca soubémos, nunca saberemos, dentro dos crânios temos uma plantação doentia de memórias roxas e vermelhas de demasiados eventos e pessoas que deixaram de valer a pena há tantas décadas, alguns de nós vão-se extinguindo dentro da solidão, com o dedo esguio da culpa apontando para os outros, coitados de nós tão incapazes profetizando
a loucura é uma verdade
a solidão não pressupõe saber lidar não pressupõe um patamar onde sozinhos consigamos de todas as vezes resolver o que levaram de nós para longe e não devolvem